ESTOU INSOLVENTE. E AGORA?
Por Luís M. Martins, Advogado*. Face a uma situação de "impossibilidade de cumprimento das obrigações vencidas", recaí sobre o devedor o ónus de actuar para proteger os seus credores. Decisão que será tomada consoante as intenções sejam de recuperar ou liquidar bem como das condições económicas em que se encontra a empresa/pessoa singular. Se a opção for recuperar/reestruturar importa, desde logo, conhecer os moldes da situação de insolvência existente e quais as intenções e objectivos que se pretendem atingir. Nos termos da legislação vigente e consoante a natureza do sujeito (pessoa colectiva ou singular), é possível: Optar pelo Procedimento Extrajudicial de Conciliação-PEC; Plano de Insolvência; Plano de Pagamentos e Exoneração do Passivo Restante. Assumindo cada um destes procedimentos especificidades, requisitos e formalismos próprios.
LIQUIDAÇÃO/DISSOLUÇÃO
Se ponderadas todas as circunstâncias, o objectivo é liquidar e dissolver, importa requerer a insolvência de imediato mediante requerimento de apresentação à insolvência – a lei a isso obriga, por forma a dar início ao processo de liquidação. sobre a matéria o artigo "Insolvente e sem intenção de recuperar/reestruturar. E agora?"
Se for uma empresa e pretende optar pela via da recuperação/reestruturação, a par do processo judicial de insolvência está previsto um procedimento extrajudicial de conciliação - PEC, para viabilização de empresas que se encontrem insolventes (seja essa situação actual ou iminente) ou em situação económica difícil. Sobre a definição e alcance do conceito de situação de insolvência ver, entre outros artigos publicados neste site,"a responsabilidade do devedor insolvente".
O processo é conduzido por uma entidade pública: o Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e ao Investimento www.iapmei.pt.
Este procedimento visa conduzir à celebração de um acordo entre todos ou alguns dos credores, por forma a viabilizar a sua recuperação. Sendo que, o facto de já ter sido instaurado um processo judicial de insolvência não obsta ao procedimento de conciliação, podendo a instancia ser suspensa a pedido da própria empresa ou de terceiro. Sobre esta matéria, ver o artigo "Procedimento extrajudicial versus insolvência".
O procedimento pode ser requerido, por escrito, pela própria empresa ou por qualquer credor, podendo nele intervir os sócios da empresa ou outros interessados.
O processo segue a tramitação e formalismos previstos na lei e, se for aceite, compete ao IAPMEI promover as diligências e os contactos necessários com vista à concretização de acordo que viabilize a recuperação, cabendo-lhe a orientação dos contactos a realizar com os credores.
RECUPERAÇÃO VIA PLANO DE INSOLVÊNCIA
Já no âmbito judicial, e nos casos em que massa insolvente compreenda uma empresa, o CIRE prevê a possibilidade de esta ser recuperada através de uma plano de insolvência [art. 192º], no qual prevalece a total atipicidade das medidas a serem adoptadas.
Sendo que, neste caso, caberá à assembleia de credores realizada após a sentença de declaração da insolvência (destinada a avaliar o relatório apresentado pelo administrador), decidir se o estabelecimento do devedor, compreendido na massa insolvente, deve ser mantido em actividade ou encerrado, decidindo ainda se o pagamento dos créditos será realizado através da liquidação do património do devedor ou mediante um plano que preveja a manutenção da empresa em actividade. Sobre a matéria ver o artigo "Recuperar uma empresa insolvente".
RECUPERAÇÃO DE PESSOAS SINGULARES
No caso das pessoas singulares, não titulares de empresas, que sejam declaradas insolventes [arts. 235º e ss.], estas podem requerer, no processo de insolvência, a "exoneração do passivo restante" não integralmente pago, nos cinco anos posteriores ao seu encerramento. O pedido de exoneração do passivo restante é feito pelo próprio devedor, no requerimento de apresentação à insolvência, ou no prazo de dez dias contados da citação [art. 236º], não podendo ser, em caso algum, deduzido após a assembleia de apreciação do relatório prevista no art. 156º.Com este mecanismo, a lei possibilita ao devedor pessoa singular exonerar-se dos créditos devidos, caso estes não sejam pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao seu encerramento, mediante a cessão do rendimento do devedor aos credores através de um fiduciário.
Pode ainda haver lugar a um "plano de pagamentos” no caso de pessoas singulares, não empresárias ou titulares de pequenas empresas. Estas podem com o requerimento de apresentação à insolvência, ou em alternativa à contestação, um plano de pagamentos [art. 251º], que preveja uma forma de liquidar os créditos aos credores. Pode beneficiar deste regime de “recuperação” o devedor que seja pessoa singular, desde que não tenha sido titular da exploração de qualquer empresa, nos três anos anteriores ao início do processo.
Medidas legais que importa considerar e aplicar consoante as especificidades do caso concreto. Para o efeito, é crucial o aconselhamento de um técnico qualificado. Ou seja, não dispensar a consulta a um advogado.
Este fresh start previsto apenas para as pessoas singulares dotadas de “boa fé” que se encontrem em situação de insolvência existe e tem tido sucesso em países como os Estados Unidos e a Alemanha – nos quais o legislador português terá ido buscar inspiração.
Todavia, e apesar de a lei estar em vigor desde Setembro de 2004, continua a ser desconhecido para a maioria dos cidadãos que, através do processo judicial de insolvência, é-lhes permitido proceder à liquidação das suas dívidas faseadamente durante cinco anos e a final, se cumprirem e actuarem de boa fé, exoneram-se das dívidas que persistam e não tenham sido liquidadas.
É crucial entender que a exoneração do passivo restante não tem como fim a satisfação dos credores da insolvência tal como previsto no artigo 1º do CIRE. Esta medida, específica da insolvência de pessoas singulares, tem como objectivo primordial conceder uma segunda oportunidade ao indivíduo permitindo que este se liberte do passivo que possui e que não consiga pagar no âmbito do processo de insolvência.
Igualmente, é preciso ter atenção que se multiplicam os casos de empresas e outras entidades a anunciar processos de insolvência. Empresas, das mais diversas áreas e de fácil acesso na Internet (em especial financeiras), que anunciam serviços para os quais não têm habilitações legais para o efeito "vendendo" ao consumidor, com frequência, soluções que consubstanciam verdadeiros processos judicias.
Se quer assegurar que o processo de insolvência começa e acaba bem, deve procurar um advogado, o único profissional qualificado e com competência para acompanhar o processo judicial de insolvência. Além de que, o que vai pagar indevidamente e ilegalmente a essas empresas, pode ser canalizado para o profissional do direito que o irá acompanhar ao longo de todo o processo..e não numa conversa de 30 minutas.
Para saber se quem o vai ajudar tem competência para o fazer, leia este artigo com atenção:
Sobre a recuperação do devedor pessoa singular ver o artigo: INSOLVÊNCIA DE PESSOAS SINGULARES - RECOMEÇAR DE NOVO" e "PESSOAS SINGULARES ENDIVIDADAS - UMA VIDA REINVENTADA" e "SOBREENDIVIDAMENTO E RECUPERAÇÃO DE PESSOAS SINGULARES "
Neste artigo aborda-se um tema geral sobre o direito da insolvência, com o distanciamento do caso concreto, prestando-se um serviço social e de divulgação de informação jurídica (cfr. artigo 20.º, n.º 2, da Constituição).
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Autor do Artigo: Luís M. Martins
Profissão: Advogado
Perfil: Exerce a sua atividade com especial incidência na área do direito da insolvência, reestruturação e recuperação de empresas e pessoas singulares. É membro da Insol Europe (Association of Europe Insolvency lawyers an accountants specialising in corporate recovery and bankruptcy).
Nota curricular: Autor de inúmeras intervenções e artigos sobre insolvência e recuperação de empresas e pessoas singulares. Autor dos seguintes livros: “RECUPERAÇÃO DE PESSOAS SINGULARES” (Editora Almedina, 2011), “PROCESSO DE INSOLVÊNCIA ANOTADO E COMENTADO” (Editora Almedina, 2ª Edição), “CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS” (Editora Almedina, 2010), “INCUMPRIMENTO DO CONTRATO DE TRABALHO” (Editora Verlag dashofer, 2007, 3ª edição), “REGIME JURÍDICO DOS FUNDOS DO INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO – ANOTADO E COMENTADO” (Editora Vida Imobiliária, 2006), “MANUAL PRÁTICO DE DIREITO DO TRABALHO” (Editora Verlag Dashofer, 2006), MANUAL PRÁTICO PARA A GESTÃO DAS ACTIVIDADES IMOBILIÁRIAS” (Editora Verlag Dashofer, 2006), “CÓDIGO COOPERATIVO - ANOTADO" (Editora Vida Económica, 2005, 2ª edição), “CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS - ANOTADO” (Editora Vida Económica, 2004, 2ª edição). Saber mais sobre o autor.