O DEVER DE APRESENTAÇÃO À INSOLVÊNCIA E AS CONSEQUÊNCIAS DO SEU INCUMPRIMENTO
De Luís M. Martins, Advogado*. Por situação de insolvência, entende-se a situação em que o devedor “se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas” [art. 3º], assentando esta em dois elementos objectivos: A “impossibilidade de cumprir;” e o “vencimento das obrigações” que, por sua vez implicam uma análise do conjunto do passivo da empresa e circunstâncias que determinaram o incumprimento. Salientando-se que a impossibilidade de cumprir, para efeitos do CIRE, não significa ausência desse património/activo do devedor. Pode dar-se o caso de existirem obrigações vencidas (incumprimento) e haver património/activo suficiente para satisfazer os credores, sem que isso obste à decretação da insolvência. A nova lei introduz ainda o conceito de “insolvência iminente”, que se equipara à situação de “insolvência actual”, quando é o próprio devedor/administrador a apresentar-se à insolvência por entender estarem verificados os seus pressupostos (exigindo assim, um especial discernimento para declarar a empresa insolvente ou apostar na sua continuidade).
O DEVER DE APRESENTAÇÃO À INSOLVÊNCIA: O Devedor/Administrador, após a falta ao cumprimento das suas obrigações vencidas [art.3º], fica obrigado a apresentar-se à insolvência, no prazo de sessenta dias, a contar da data em que tem conhecimento dessa situação ou da data em que devesse conhecê-la [art. 18º].
Regime que já estava previsto na parte final do art. 6º do CPEREF, embora seja suprimido o conceito de “situação económica difícil” e, naquele, o devedor pudesse optar pelo requerimento de providência da recuperação da empresa [art. 5º do CPEREF].O Código agrava a responsabilidade do devedor/administrador faltoso, podendo responsabilizá-lo pelo pagamento aos credores a partir da data em que a apresentação deveria ter ocorrido, exigindo ao devedor/administrador maior rigor na condução da sua actividade.
Previsão que assume especial destaque em conjugação com o disposto no artigo 186º, para efeitos da qualificação da insolvência como culposa, ao estabelecer uma presunção de existência de culpa grave «quando os administradores, de direito ou de facto, do devedor que não seja uma pessoa singular, tenham incumprido (...) o dever de requerer a declaração de insolvência. Este dever de apresentação voluntária à insolvência não fica limitado à data em que o devedor toma conhecimento da situação mas, igualmente, à data em que este devia conhecê-la.
O CONHECIMENTO DA SITUAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
Presume-se de forma inilidível (não podendo ser afastada), o conhecimento da situação de insolvência, quando o devedor seja titular de uma empresa e se verifique, decorridos três meses, o incumprimento generalizado das obrigações previstas na al. g) do n.º1 do art. 20º, a saber:
i) Tributárias;
i) De contribuições e quotizações para a segurança social;
iii) Créditos emergentes de contratos de trabalho, ou da violação ou cessação deste contrato;
iv) Rendas de qualquer tipo de locação, incluindo financeira, prestação do preço da compra ou de empréstimo garantido pela respectiva hipoteca, relativamente a local em que o devedor realize a sua actividade ou tenha a sua sede ou residência.
Estando preenchidos algum dos requisitos das alíneas anteriores, o CIRE presume de forma inilidível que o devedor tinha conhecimento (ou devia ter) do seu estado de insolvência, “presumindo a sua culpa” com todos os efeitos legais.A presunção de conhecimento da insolvência tem consequências práticas relevantes, uma vez que o devedor/administrador que se encontre nesta situação, e não se apresente à insolvência no prazo estabelecido, pode ver um credor requerer a sua insolvência, correndo o risco de ver aberto o “incidente de qualificação da insolvência como culposa”, com as demais consequências que daí resultam.
CONSEQUÊNCIAS DA DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
Na prática, as consequências para o administrador/devedor são consideravelmente gravosas uma vez que, caso estejam verificados os requisitos da presunção de culpa, este poderá ver a insolvência da empresa ser decretada e ser qualificada a sua conduta como culposa, sendo sancionado com a decretação das seguintes medidas:
a) Inabilitação por um período de dois a dez anos, sendo nomeado um curador, com poderes para autorizar actos de disposição e administração do património do devedor;
b) Inibição para o exercício do comércio durante um período de dois a dez anos, e para ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial, civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa;
c) Perda de quaisquer créditos sobre a massa insolvente e condenação na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos.
Sanções que são registadas oficiosamente na conservatória do registo civil/comercial, limitando a continuidade da actividade comercial do devedor.
Situação Agravada pelo facto de a insolvência ser considerada culposa «quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência». [art.186º].
O requerente ou o juiz oficiosamente, havendo justificado receio da prática de actos de má gestão, poderá decretar como medida cautelar a nomeação de um administrador provisório, previamente à citação do devedor, de modo a não colocar em causa o efeito útil da medida [art. 31º]. Responsabilidade que, em bom rigor, retroage aos quatro anos anteriores à data do início do processo, uma vez que o art. 120º prevê a resolução em benefício da massa insolvente dos actos «praticados ou omitidos dentro dos quatro anos anteriores à data do início do processo de insolvência», desde que exista má-fé do terceiro, a qual se presume em relação a actos que tenham ocorrido dentro dos dois anos anteriores à prática do acto, ou dos quais tenham beneficiado pessoa especialmente relacionada com o devedor [art. 49º].
Neste artigo aborda-se um tema geral sobre o direito da insolvência, com o distanciamento do caso concreto, prestando-se um serviço social e de divulgação de informação jurídica (cfr. artigo 20.º, n.º 2, da Constituição).
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Autor do Artigo: Luís M. Martins
Profissão: Advogado
Perfil: Exerce a sua atividade com especial incidência na área do direito da insolvência, reestruturação e recuperação de empresas e pessoas singulares sendo membro da Insol Europe (Association of Europe Insolvency lawyers an accountants specialising in corporate recovery and bankruptcy).
Nota curricular: Autor de inúmeras intervenções e artigos sobre insolvência e recuperação de empresas e pessoas singulares e Autor dos seguintes livros: “RECUPERAÇÃO DE PESSOAS SINGULARES” (Editora Almedina, 2011), “PROCESSO DE INSOLVÊNCIA ANOTADO E COMENTADO” (Editora Almedina, 2ª Edição), “CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS” (Editora Almedina, 2010), “INCUMPRIMENTO DO CONTRATO DE TRABALHO” (Editora Verlag dashofer, 2007, 3ª edição), “REGIME JURÍDICO DOS FUNDOS DO INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO – ANOTADO E COMENTADO” (Editora Vida Imobiliária, 2006), “MANUAL PRÁTICO DE DIREITO DO TRABALHO” (Editora Verlag Dashofer, 2006),MANUAL PRÁTICO PARA A GESTÃO DAS ACTIVIDADES IMOBILIÁRIAS” (Editora Verlag Dashofer, 2006), “CÓDIGO COOPERATIVO - ANOTADO" (Editora Vida Económica, 2005, 2ª edição), “CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS - ANOTADO” (Editora Vida Económica, 2004, 2ª edição). Saber mais sobre o autor