ANTÓNIO MANUEL DA SILVA "NADA DE NOVO DEBAIXO DO SOL?"
Escreveu o poeta (Camões) que “ todo o mundo é composto de mudança”. É verdade e já Heraclito de Éfeso (540 aC-470 aC) defendia que nada é permanente, excepto a mudança. Apesar de, às vezes, parecer que não, acrescento eu.
No auge da nossa aparente riqueza, as elites portuguesas pavoneavam-se no Terreiro do Paço - o Marquês ainda não lhe tinha mudado o nome para Praça do Comércio, honrando a actividade burguesa - com séquitos de numerosa criadagem, cavalos luxuosamente arreados e vestimentas de seda bordadas a ouro, dispostas a fazerem abrir a boca de espanto ao “zé povinho” que, embasbacado, gostava de as ver desfilar. Prazer era também fazer roer de inveja os vizinhos do lado.
Assim – e também com palácios e palacetes, igrejas, conventos e mosteiros – se iam delapidando os lucros da gesta ultramarina e os ganhos dos negócios orientais. Com os proveitos do ouro brasileiro foi quase igual. À frente da “banda” estava o rei, chefe de um Estado que, já então, a todos ia distribuindo benesses, cargos, subsídios… E facilitando negócios.
Recentemente, a imprensa falada e escrita divulgou que a DECO (Associação de Defesa do Consumidor), que este ano de 2010 já apoiou 5.500 consumidores sobre-endividados, deu a conhecer que, no momento de apertar o cinto, os portugueses optam primeiro por cortar nas despesas de alimentação e farmácia. Só depois abdicam dos telemóveis, dos carros, dos plasmas, das férias no estrangeiro… Isto é, as aparências antes de mais e o acessório à frente do essencial. O supérfluo e a espuma comandam as decisões.
O que mudou, afinal?
Não tenho qualquer dúvida que mudou muita coisa. Mas… Também há muito que permanece e, por vezes, não é o melhor. Há quem diga que, desde o homo sapiens, a evolução da natureza humana não foi tão grande como muitos imaginam. E também há quem garanta que, depois dos gregos antigos e dos romanos, exceptuando a tecnologia, nada de verdadeiramente relevante foi inventado.
Passaram 500 anos. A Monarquia caiu, substituída pela República, já lá vão 100 anos. E está tudo tão parecido! Então, eram as ordens privilegiadas (Clero e Nobreza) que se aboletavam com o orçamento; hoje, são 6.000.000 (seis milhões) os cidadãos que, segundo alguns estudiosos (Medina Carreira e outros), directa ou indirectamente, vivem dependentes das verbas do Estado.
Será do poder político? Será da forma dos governos e dos regimes? Será das elites? Será do povo? Será o nosso fado?
Ou será que razão tem Eclesiastes quando escreve (1,9): “ Aquilo que foi é aquilo que será; aquilo que foi feito, há-de voltar-se a fazer-se: e nada há de novo debaixo do sol.”?
*Antonio Manuel da Silva, professor de História no ensino secundário, tem dirigido parte da sua pesquisa para o século XIX e início do século XX e encontrado inúmeras similitudes entre algumas conjunturas de então e a evolução observada na história mais recente de Portugal.