Insolvência Culpa - Inconstitucionalidade
Descritores: Insolvência – Culpa - Inconstitucionalidade
Referências:Tribunal da relação de Coimbra; Apelação Nº 2577/05.5TBPMS-K.C1; Relator: Dr. Artur Dias; Data do Acordão: 28-10-2008
Sumário:
" I - Estabelece o artº 189º, nº 2, al. b), do CIRE (Dec. Lei nº 53/2004, de 18/03, na redacção do D.L. nº 200/2004, de 18/08) que “na sentença que qualifique a insolvência como culposa o juiz deve decretar a inabilitação, por um período de 2 a 10 anos, das pessoas afectadas pela qualificação.
II - Esta inabilitação prevista no CIRE não visa a protecção e defesa do inabilitado, não se destina à defesa dos interesses dos credores e nada acrescenta à defesa da integridade da massa insolvente, além de que em nada contribui para a defesa dos interesses gerais do tráfego comercial.
III - A inabilitação das pessoas afectadas pela insolvência só pode ter um alcance punitivo, ferindo o sujeito sobre quem recai uma verdadeira capitis diminutio, retirando-lhe a livre gestão dos seus bens, mesmo os não apreendidos ou apreensíveis para a massa insolvente e sujeitando-o à assistência de um curador.
IV - Trata-se, portanto, de uma restrição à capacidade civil do insolvente que, tendo também presente a globalidade dos efeitos da insolvência e, em particular, a inibição para o exercício do comércio, tem de considerar-se inadequada e excessiva, conduzindo à conclusão de que o artº 189º, nº 2, al. b), do CIRE, está em desconformidade com o artº 26º, nºs 1 e 4, conjugado com o artº 18º, nº 2, ambos da Constituição da República Portuguesa.
V - No CIRE foram instituídos incidentes (incidente pleno e incidente limitado), de carácter exclusivamente civil, destinados à qualificação da insolvência (como fortuita ou culposa) – artºs 185º a 191º -, o que é inovador em relação à lei anterior (CPEREF).
VI - Os artºs 185º e segs. do CIRE, relativos aos incidentes de qualificação da insolvência, contêm normas de carácter substantivo e normas de carácter adjectivo.
VII - Quanto às normas de carácter adjectivo, não há qualquer óbice a que se apliquem integralmente a todos os processos iniciados a partir da data da entrada em vigor do CIRE (artºs 12º e 13º do D.L. 53/2004, de 18/03).
VIII - Relativamente às normas de carácter substantivo, não lhes tendo sido expressamente fixada eficácia retroactiva, há que respeitar o regime legal da aplicação das leis no tempo – artº 12º C. Civ. -, sendo a regra principal a de que a lei só dispõe para o futuro –, face ao que toda a actuação do insolvente anterior à entrada em vigor do CIRE deverá ser desconsiderada para efeitos do incidente da qualificação da insolvência, aplicando-se o regime do CIRE apenas à factualidade restante e posterior a essa entrada em vigor.
IX - O artº 186º do CIRE, ao estatuir, no nº 1, que a insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência, e ao estabelecer, no nº 2, presunções júris et de jure de insolvência culposa, e no nº 3 presunções júris tantum de culpa grave, criou, neste domínio, regras novas de direito probatório material, as quais se não podem aplicar, face ao disposto no nº 2 do artº 12º do C. Civ., aos casos anteriores à entrada em vigor do CIRE.”
Texto Integral do Acordão .