OS CREDORES, OS CRÉDITOS, A INSOLVÊNCIA E O RATEIO - I
Por Luís M. Martins e Mariana Vasconcelos, Advogados*.
Num dicionário comum encontramos vários significados para a palavra crédito tais como, “influência, valor, autoridade”. “…A palavra crédito começou por significar fé, confiança que depositamos no que nos dizem, no que ouvimos ou vemos, passando também a designar bom-nome, boa reputação, consideração de que goza alguém ou alguma coisa. Chega-se, assim, ao significado mais vulgar da palavra crédito: a possibilidade que alguém tem em arranjar dinheiro precisamente por causa da boa fama de que goza e da confiança que nele depositam…” ver Credo, Credor e Crédito da Autoria de Maria Regina Rocha, publicado no Diário do Alentejo de 12 de Dezembro de 2008, disponível em: http://ciberduvidas.sapo.pt/idioma.php?rid=1999.
Já num dicionário jurídico, definição que, para o caso, é mais apropriada é definido (direito de crédito) como a posição activa na relação obrigacional (…) o direito a exigir de outrem uma prestação (v. artigo 397º CC) (sic) – prestação que não tem necessariamente de corresponder a um valor pecuniário, desde que correlacionado a um interesse do credor.
Quanto a «credor», palavra que se pronuncia com ‘e’ aberto, provém da palavra latina creditore, ‘creditor, oris’, que sofreu a seguinte evolução: ‘creditorem’ > ‘crededor’ > ‘creedor’ > credor, tendo a crase acentuado a abertura da vogal. Aparece no dicionário de língua portuguesa como aquele que tem direito ou é digno de estima, respeito, consideração e ainda como aquele a quem se deve dinheiro. Já «devedor», provém do latim, de ‘debitore’ e aparece no dicionário como aquele que deve, - in dicionário de língua portuguesa online da Priberam em:www.priberam.pt.
No contexto jurídico, credor é aquele que é titular de um direito de crédito. É a pessoa que tem o interesse que a prestação do devedor visa satisfazer e que pode exigir o seu cumprimento, embora não seja necessariamente aquela a quem a prestação é realizada. (sic)
Sobre estas duas figuras, o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, e apenas para efeitos da sua aplicação, distinguiu com precisão as «dívidas da insolvência», correspondentes aos créditos sobre o insolvente cujo fundamento existisse à data da declaração de insolvência e aos que lhes sejam equiparados - que passam a ser designados como «créditos sobre a insolvência» - e os respectivos titulares que designa de «credores da insolvência» – art. 47º.
A «Insolvência»
Já «insolvência» é definida como qualidade ou estado de insolvente e «insolvente» como que ou pessoa que não pode pagar o que deve – in dicionário de língua portuguesa online da Priberam em www.priberam.pt.
O Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas – CIRE não define «insolvência», caracterizando antes a respectiva «situação» no Art. 3º, n.º 1, onde se lê: é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas. No caso de pessoas colectivas e patrimónios autónomos a determinação da insolvência aferir-se-á por um critério específico que incide sobre a relação activo vs. passivo, verificando-se a situação de insolvência quando, de acordo com uma avaliação contabilística, o passivo é manifestamente superior ao activo.
Abrangendo assim duas realidades diferentes de insolvência: a de fluxos de caixa (incapacidade para pagar dívidas) e a do balanço (valor do activo inferior ao passivo).
O «Rateio»
Rateio – objectivo último do CIRE - é o acto ou efeito de ratear entendido como a distribuição proporcional do produto obtido com a liquidação da massa insolvente. Deste princípio decorre o “poder” que é conferido aos credores sobre a garantia comum dos créditos – o património do devedor – que se traduz, nomeadamente, na decisão quanto à melhor solução a tomar na defesa dos seus interesses – liquidar ou recuperar.
Antes de se efectuar o pagamento aos credores, o processo passa por uma fase de reclamação de créditos explanada pelo legislador no ponto 37 do preâmbulo do decreto lei 53/2004, de 18 de Março, que aprovou o código “ É na fase da reclamação de créditos que avulta de forma particular um dos objectivos do presente diploma, que é o da simplificação dos procedimentos administrativos inerentes ao processo. (…) as reclamações de créditos são endereçadas ao administrador da insolvência e entregues no ou remetidas para o seu domicílio profissional (…) esta fase permite dar um passo mais na desjudicialização anteriormente comentada, ao estabelecer-se que a sentença de verificação e graduação dos créditos se limitar a homologar a lista de credores reconhecidos elaborada pelo administrador da insolvência e a graduar os créditos em atenção ao que conste dessa lista, quando não tenham sido apresentadas quaisquer impugnações das reclamações de créditos. Ressalva-se expressamente a necessidade de correcções que resultem da existência de erro manifesto” (sic).
Sobre o que pode ser entendido por “erro manifesto” e o poder de apreciação do juiz nesta fase processual, constitui matéria a abordar, numa próxima vez, num outro artigo.
Não obstante o CC no seu Art. 604º, n.º 1 atribuir uma posição de igualdade entre os credores perante o devedor – princípio da par conditio creditorum – também prevê que causas legítimas de preferência – legalmente admitidas – consubstanciem desvios àquele mesmo princípio. As causas legítimas são, entre outras, a consignação de rendimentos, o penhor, a hipoteca, o privilégio e o direito de retenção.
Para efeito de caracterização do tipo ou natureza dos créditos teremos de recorrer, nomeadamente ao n.º4 do Art. 47 onde encontramos as “classes de créditos”, ainda que este não predefina uma hierarquia. No entanto, atento o disposto nos Arts. 128º e 172º e ss., constatamos que, mesmo sem uma hierarquia predefinida, há preferência na ordem de pagamento – entre as várias classes de créditos e dentro das mesmas, o mesmo será dizer entre os credores titulares de créditos que se enquadrem nestas categorias – preferência esta dependente da respectiva graduação (dos créditos) vide Arts. 129º, 130º, 137º e 140º.
Nesse sentido, o próprio código estabelece que os titulares de créditos sobre o insolvente podem encontrar-se em patamares diferentes, estatuindo a necessidade de lhes dispensar um tratamento adequado e diferenciado, pelo que criou quatro classes credores/créditos: Garantidos, Privilegiados, Comuns e Subordinados, prescrevendo o código, no Art. 128º, n.º 1 c), que os próprios credores devem indicar na sua reclamação a natureza comum, subordinada, privilegiada ou garantida do seu crédito.
Vejamos qual a sua natureza, importância e ordem de pagamento no âmbito do CIRE.
Continua…
Neste artigo aborda-se um tema geral sobre o direito da insolvência, com o distanciamento do caso concreto, prestando-se um serviço social e de divulgação de informação jurídica (cfr. artigo 20.º, n.º 2, da Constituição).
*Autor do Artigo: Luís M. Martins
Profissão: Advogado
Perfil: Exerce a sua atividade com especial incidência na área do direito da insolvência, reestruturação e recuperação de empresas e pessoas singulares. É membro da Insol Europe (Association of Europe Insolvency lawyers an accountants specialising in corporate recovery and bankruptcy).
Nota curricular: Autor de inúmeras intervenções e artigos sobre insolvência e recuperação de empresas e pessoas singulares. Autor dos seguintes livros: “RECUPERAÇÃO DE PESSOAS SINGULARES” (Editora Almedina, 2011), “PROCESSO DE INSOLVÊNCIA ANOTADO E COMENTADO” (Editora Almedina, 2ª Edição), “CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS” (Editora Almedina, 2010), “INCUMPRIMENTO DO CONTRATO DE TRABALHO” (Editora Verlag dashofer, 2007, 3ª edição), “REGIME JURÍDICO DOS FUNDOS DO INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO – ANOTADO E COMENTADO” (Editora Vida Imobiliária, 2006), “MANUAL PRÁTICO DE DIREITO DO TRABALHO” (Editora Verlag Dashofer, 2006), MANUAL PRÁTICO PARA A GESTÃO DAS ACTIVIDADES IMOBILIÁRIAS” (Editora Verlag Dashofer, 2006), “CÓDIGO COOPERATIVO - ANOTADO" (Editora Vida Económica, 2005, 2ª edição), “CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS - ANOTADO” (Editora Vida Económica, 2004, 2ª edição). Saber mais sobre o autor