CRÉDITOS DO ESTADO NO PLANO DE INSOLVÊNCIA
Por Luís M. Martins, Advogado*. Algumas decisões têm pugnado pela impossibilidade destes créditos serem reduzidos no âmbito de um plano de insolvência atenta a indisponibilidade dos direitos a eles conexos e imperatividade das normas fiscais, fundamentando, entre outras conclusões que “…para que o crédito tributário possa ser reduzido ou extinto, ainda que por iniciativa da própria administração fiscal, é necessário que essa operação esteja especialmente prevista na lei e que a mesma seja efectuada segundo os procedimentos nela previstos…”. Posição que não se partilha pois essas normas respeitam à relação estado contribuinte e nem os seus fins (cobrança,) são compatíveis com a natureza do procedimento especial que é a insolvência.Desde logo, se assim fosse, no processo de insolvência todos os credores se encontrariam em pé de igualdade menos a fazenda pública que, apelando aos normativos do CPPT, teriam legitimidade para gorar qualquer plano. Ficando o processo de insolvência liquidação/recuperação refém da anuência das finanças e da segurança social e do regime que aquela legislação avulsa impõe.
Por outro lado, o CIRE não lhes atribui uma condição de credores “especiais”, bem pelo contrário, a legislação tem caminhado no sentido de colocar os credores públicos em igualdade com os demais, tirando-lhe ou reduzindo os seus privilégios no processo falimentar.
De outra forma, matar-se-ia a possibilidade de recuperação das empresas através do plano de insolvência, no qual o estado aparece, a grande maioria das vezes, como credor. Atribuir-lhe o poder de vetar o deliberado pela maioria, era concluir que o legislador criou um processo inexequível. Pois não prevalece a vontade dos credores, mas a vontade unilateral de um credor.No processo de insolvência o Estado não actua com jus imperi, actua como credor. Deixa de existir uma relação de estado versus contribuintes, pois este desaparece para dar lugar ao insolvente no âmbito de um processo com fins, natureza e regimes diferentes do estatuído no CPPT e com ele incompatível – o CIRE.
Neste processo, o estado passa a exercer o seu poder através da assembleia de credores, em pé de igualdade com os demais detentores de direitos de crédito sobre o insolvente.Argumentar que a fazenda pública e a segurança social não podem votar favoravelmente um plano que preveja reduções e perdões de divida ou juros pois seriam contrários ao estatuído na lei para as dívidas desta natureza – a fazerem-no violariam o princípio da legalidade previsto no n.º2 do art.o 266º da C.R.P. à qual estas entidades estão vinculadas também levante sérias dúvidas.
É importante ter presente que o CIRE aprovado pelo DL 53/2004 de 18 de Março também é lei e que visa preservar o interesse público de preservação do bom funcionamento do mercado. E que no CIRE, enquanto lei à qual a administração está adstrita, visa-se regular a eliminação ou a reorganização financeira de uma empresa de acordo com uma lógica de mercado. Daí o CIRE fortalecer a desjudicialização do processo colocando o poder supremo de decisão nos credores colocando o Estado em pé de igualdade com os demais credores.
Esta matéria não está consolidada na doutrina e na jurisprudência. Em sentido positivo, veja-se a título de exemplo o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22-11-2008, proferido no processo n.º 0535648, o Acórdão do tribunal da relação do porto de 15-12-2005, proferido no processo nº 0535648 e o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 26-10-2006, proferido no processo n.º 1930/06-2, no sentido que, “Quer isto dizer que o plano a homologar, não contendo a derrogação de algum direito do Estado referente aos seus privilégios em virtude de terem sofrido a restrição preconizada pela declaração de falência (art.º 97.º do CIRE), igualmente não perde a sua força vinculativa se vier a consagrar o perdão ou redução do valor dos créditos sobre a insolvência, quer quanto ao capital, quer quanto aos juros. A disciplina legal advinda do estatuído no artigo 97º do CIRE, na medida em que extingue os privilégios do Estado e outras entidades públicas, não está condicionada pelo conteúdo que sobressai do Dec. Lei n.º 411/91 ou com as normas que regem as dívidas fiscais e princípios consagrados no Código de Procedimento e Processo Tributário pelo que, se algum das normas do CIRE permitir a afectação do crédito da segurança social, seja em termos de redução seja de deferimento do pagamento, por deliberação dos credores homologada, ter-se-á de concluir pela vinculação do recorrente ao plano. Ac. Rel. Porto de 13 de Julho de 2006; www.dgsi.pt.
No contexto do processo de insolvência está acolhido o princípio da igualdade dos credores e, destarte, tanto o "perdão ou redução do valor dos créditos sobre a insolvência, quer quanto ao capital, quer quanto aos juros” como “a modificação dos prazos de vencimento ou as taxas de juro dos créditos, sejam créditos comuns, garantidos ou privilegiados", podem ser aprovadas no âmbito de um plano de insolvência.”
Neste artigo aborda-se um tema geral sobre o direito da insolvência, com o distanciamento do caso concreto, prestando-se um serviço social e de divulgação de informação jurídica (cfr. artigo 20.º, n.º 2, da Constituição).
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Autor do Artigo: Luís M. Martins
Profissão: Advogado
Perfil: Exerce a sua atividade com especial incidência na área do direito da insolvência, reestruturação e recuperação de empresas e pessoas singulares. É membro da Insol Europe (Association of Europe Insolvency lawyers an accountants specialising in corporate recovery and bankruptcy).
Nota curricular: Autor de inúmeras intervenções e artigos sobre insolvência e recuperação de empresas e pessoas singulares. Autor dos seguintes livros: “RECUPERAÇÃO DE PESSOAS SINGULARES” (Editora Almedina, 2011), “PROCESSO DE INSOLVÊNCIA ANOTADO E COMENTADO” (Editora Almedina, 2ª Edição), “CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS” (Editora Almedina, 2010), “INCUMPRIMENTO DO CONTRATO DE TRABALHO” (Editora Verlag dashofer, 2007, 3ª edição), “REGIME JURÍDICO DOS FUNDOS DO INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO – ANOTADO E COMENTADO” (Editora Vida Imobiliária, 2006), “MANUAL PRÁTICO DE DIREITO DO TRABALHO” (Editora Verlag Dashofer, 2006), MANUAL PRÁTICO PARA A GESTÃO DAS ACTIVIDADES IMOBILIÁRIAS” (Editora Verlag Dashofer, 2006), “CÓDIGO COOPERATIVO - ANOTADO" (Editora Vida Económica, 2005, 2ª edição), “CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS - ANOTADO” (Editora Vida Económica, 2004, 2ª edição). Saber mais sobre o autor
